Steven Spielberg parece estar em um momento de reflexão sobre sua vida. Este momento se estende há alguns anos: em 2018, Jogador Nº1 já trazia ao público um exercício de contemplação do diretor, uma celebração – talvez um pouco pálida e inflada – de seu legado e influência na cultura pop. Em Os Fabelmans, obra que chega aos cinemas brasileiros nesta quinta-feira (12), Spielberg olha para sua infância e sua família, mostrado ao mundo a raiz de suas paixões e das batalhas que trava nas telonas há décadas.
Os Fabelmans acompanha o jovem Sammy (Mateo Zoryan/Gabriel LaBelle), que se apaixona pelo cinema depois que seus pais Mitzi (Michelle Williams) e Burt (Paul Dano) o levam para ver o filme The Greatest Show on Earth. Sammy passa a utilizar a câmera do pai para registrar a rotina da família e criar seus próprios filmes, até que ele precisa decidir se o cinema é apenas um hobby ou um chamado a ser atendido. Além da direção, Spielberg assina o roteiro ao lado de Tony Kushner. Completam o elenco Seth Rogen e Judd Hirsch.
O longa-metragem oferece uma visão privilegiada do processo de criação de Spielberg. Assistimos Sammy crescer e compreender como as imagens em movimento o ajudam a entender suas próprias emoções e o mundo a sua volta. Sammy utiliza o cinema para superar seus medos, expressar sua alegria e desarmar seus inimigos. Sammy – e por consequência Spielberg – processa traumas pessoais e geracionais através da sétima arte. De suas figuras paternas aos seus filmes de guerra, Spielberg e Sammy sentem através da lente da câmera.
Para além desta relação afetiva com o cinema, Os Fabelmans traz um vislumbre das influências de Spielberg. Sammy é atravessado por conflitos familiares que se harmonizam para criar seu estilo autoral. Enquanto seu pai é obcecado por excelência técnica, sua mãe tem uma inclinação mais artística. Sammy é uma amálgama de seus pais.
O roteiro de Spielberg e Kushner se deixa levar pela pieguice em alguns momentos, especialmente naqueles em que declara seu amor pelo cinema. Estas sequências, porém, no lugar de se tornarem incomodas ou constrangedoras, devem suscitar no espectador, especialmente os também apaixonado por cinema, simpatia e apreensão. Sem apelar para a nostalgia, esta parece ser uma tentativa de examinar o passado sem distorções e admitir seus desafios. Amor não basta para apagar os erros dos nossos pais.
Com 2h 31min de duração, Os Fabelmans é um autoexame de uma existência dedicada ao cinema e uma tocante celebração desta arte por parte de um dos maiores cineastas da história. Ao exorcizar seus próprios demônios na tela do cinema, Spielberg também se livra de alguns dos nossos.
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