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Foto do escritorLuciana Santos

"Os Banshees de Inisherin" (2023)



É preferível ser amado ou ser lembrado? A resposta para essa pergunta pode variar ao longo de uma vida. Alguns de nós talvez sequer entretenham tal dúvida. O amor oferece uma recompensa imediata. A memória é perene, mas não traz benefício instantâneo. Todos conhecemos o nome de Shakespeare, mas que bem isso faz ao bardo em pleno século 21? É necessário um tipo especial de vaidade para buscar a história quando o amor mora logo ao lado. E a vaidade nunca aparece sozinha, ela anda acompanhada por outros pecados.


Com direção e roteiro de Martin McDonagh, Os Banshees de Inisherin acompanha os amigos Pádraic (Colin Farrell) e Colm (Brendan Gleeson), que se encontram em um impasse quando Colm inesperadamente põe fim à amizade deles. Pádraic, auxiliado por sua irmã Siobhán (Kerry Condon) se esforça para consertar o relacionamento, recusando-se a aceitar o afastamento de Colm que, por sua vez, está determinado a cortar laços com Pádraic. Sua resolução é tamanha que ele entrega um ultimato à Pádraic, com consequências nefastas para ambos.


A trama de Os Banshees de Inisherin se desenrola em 1923, durante a guerra civil irlandesa. Ambientado em uma ilha na costa oeste da Irlanda, o filme não é sutil ao sugerir um espelhamento daquele conflito no relacionamento dos protagonistas. Decisões sem sentido, que ferem os próprios envolvidos e seus entes queridos, e resultam apenas em derramamento de sangue. Não há grandes reflexões sobre a natureza da guerra ou suas motivações. É uma metáfora vazia, que apenas serve de pano de fundo para a querela entre Pádraic e Colm.


O que não significa que o filme não tenha algo a dizer. Os Banshees de Inisherin faz um mergulho nas complexas águas das emoções humanas, expondo as feridas autoinfligidas pela vaidade, orgulho e soberba. Alguém disse certa vez que o ressentimento é como tomar veneno e esperar que a outra pessoa morra. Na esperança de ferir o próximo, intoxicamos a nós mesmos. Aí está um sentimento com o qual a maioria de nós pode se identificar. Automutilação na tentativa de cortar o outro.


Apesar de sua alegoria frustrada, o roteiro de McDonagh é notável em sua construção do humor e do drama. Tragicomédia, Os Banshees de Inisherin parece se inclinar mais para a comédia, mas entrega momentos dramáticos devastadores. O diálogo rápido também oferece este efeito aos mais atentos: há objetos cortantes escondidos na maioria das interações em cena.


Suas quatro indicações nas categorias de atuação do Oscar de 2023 foram merecidas. Enquanto o Pádraic de Colin Farrell conquista a simpatia do espectador por sua vulnerabilidade diante da rejeição e sua ira, mais que compreensível, no terceiro ato, Barry Keoghan transforma o excêntrico Dominic em uma figura cativante. O Colm de Brendan Gleeson se apresenta como um homem sobrecarregado por seu talento e por sua mediocridade. A Siobhán de Kerry Condon se revela o oposto: é sua excepcionalidade que a perturba.


Com 1h 54min de duração, Os Banshees de Inisherin é uma comédia dramática repleta de belas atuações e possibilidades de reflexão sobre a natureza humana. Um filme sobre o desespero que nos cerca e nos corrói, alimentado pela solidão ou pela efemeridade de nossas próprias existências.



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