Quando questionado sobre as críticas feitas por historiadores à fidelidade histórica de seu novo filme Napoleão, que estreia nos cinemas brasileiros nesta quinta-feira, o diretor Ridley Scott respondeu com a delicadeza de um canhão: “vocês estavam lá? Não? Então calem a boca”. A atitude de Scott nas entrevistas espelha a atmosfera de sua obra – paixão e deboche permeiam cada minuto de Napoleão.
Com roteiro assinado por David Scarpa, Napoleão acompanha o personagem-título, interpretado por Joaquin Phoenix, em sua ascensão ao poder após a Revolução Francesa, passando por suas conquistas militares, seu casamento com Josefina de Beauharnais (Vanessa Kirby), suas derrotas e exílios.
Napoleão não tem qualquer reverência pela História que conta. Um desfile de datas e nomes históricos se apresenta na tela, mas fixar-se neste aspecto garante uma boa dose de confusão e frustração com o filme. A vida e obra de Napoleão Bonaparte é apenas um veículo para Scott contar a história de um homem tão obcecado com os conceitos de destino e grandeza que está disposto a sacrificar milhares de vidas na tentativa de chegar lá. Napoleão assiste à deposição da monarquia francesa, mas não hesita diante da oportunidade de estabelecer uma “nova” ordem, na qual ele usa a coroa arrebatada das cabeças que rolaram na guilhotina. Sua pequenez é enfatizada visualmente pelo diretor não apenas nos enquadramentos, que frequentemente colocam Phoenix na parte inferior do frame, mas também no enredo – Napoleão insiste em usar seu chapéu o tempo todo, garantindo alguns centímetros a mais à sua silhueta.
Enquanto o enredo ridiculariza Napoleão, Phoenix humaniza o personagem. Ele demonstra um estado de quase pânico durante as batalhas, que vai se transformando em presunção à medida em que os conflitos são ganhos e o poder é acumulado. Que homem resistiria à ideia de predestinação quando tem nações inteiras sob seu comando? E depois de convencer-se invencível, não repetiria as lendas sobre si mesmo em seu exílio?
O coração de Napoleão é o relacionamento do personagem com Josefina, que Vanessa Kirby interpreta com ambiguidade. Aristocrata desgraçada pela revolução, Josephina busca estabilidade para si e para seus filhos. Enquanto Napoleão é obcecado por ela, nunca sabemos se ele é correspondido de fato. Ela ama Napoleão ou ama a vida que Napoleão lhe proporciona? Ela sente falta de Napoleão ou de seu poder? Josephina é apaixonada pelo homem ou pelo mito?
Seria um erro julgar Napoleão como não-intencionalmente engraçado. A comédia do filme é proposital. Ridley Scott não leva nada disso a sério, e essa não é uma aula de História. É possível que o diretor apenas tenha encontrado uma oportunidade de filmar grandes batalhas épicas, algo que o filme entrega com maestria. De qualquer forma, são 2h38 min de diversão – se você não for um historiador.
Comments