
Dirigido e roteirizado por Jordan Peele, Não! Não Olhe! acompanha os irmãos OJ Haywood (Daniel Kaluuya) e Em Haywood (Keke Palmer), que percebem uma movimentação estranha no rancho que herdaram do pai, um treinador de cavalos para produções hollywoodianas. Acreditando que um OVNI (objeto voador não identificado) está sobrevoando suas terras, os irmãos decidem gravar os acontecimentos com a ajuda de Angel (Brandon Perea). O que eles não sabem é que seu vizinho, o ex-ator mirim Ricky Park (Steven Yeun), dono de um parque de diversões temático, também busca uma forma de explorar a perigosa anomalia.
Não! Não Olhe! faz uma reflexão sobre os métodos utilizados por Hollywood para prover entretenimento, especificamente a exposição e exploração de imagens e acontecimentos violentos. Tais métodos, obviamente, estão difundidos em todas as esferas da sociedade. Basta ligar a TV em um jornal ao meio dia para que o espectador seja bombardeado com imagens desumanizantes de tragédias produzidas pelo próprio homem, tragédias protagonizadas por pessoas. Peele olha para a banalização da desumanidade através destas imagens e, enquanto seu texto analisa o meio e a mensagem, sua direção alude para o público, entidade devoradora de conteúdos nefastos. Quem iniciou este processo? Não importa. Esta é uma besta de duas cabeças que vive de autofagia.
A questão racial, que permeia a obra de Peele, não é deixada de lado. No espetáculo de Hollywood, as contribuições de mulheres e homens não-brancos foram esquecidas com frequência. Minorias étnicas raramente tinham o “privilégio” de representar a si mesmas, dando origem a encenações caricatas envolvendo black e yellow face, além da produção e reprodução de estereótipos perniciosos que sobrevivem até os dias de hoje. Embora direcione o foco de sua crítica à exploração da imagem e do sofrimento daqueles posicionados em frente às câmeras, Peele jamais deixa de racializar sua contemplação.
Acompanhando a excelência do roteiro e da direção de Peele, a fotografia, assinada por Hoyte van Hoytema, deve ser destacada. Em especial as sequências noturnas externas, envoltas em uma penumbra característica que empresta autenticidade única ao filme e contribui para a construção do suspense. A luz “natural” permite enxergar, mas também engana os olhos mais focados. As cenas se tornam mais familiares e, portanto, mais assustadoras. Hoytema evita a escuridão total sem estrelas onde o cinema de terror contemporâneo tem se refugiado. A luz dos astros revela predadores aterrorizantes.
Mais um aspecto que precisa ser destacado é o trabalho dos intérpretes, em especial de Daniel Kaluuya e de Steven Yeun. OJ parece empatizar mais com os cavalos de seu rancho do que com os seres humanos, e Kaluuya expressa esta consciência fisicamente. O mesmo acontece com Yeun, cujo personagem se esforça para mascarar as consequências de um evento traumático em sua infância.
Com pouco mais de duas horas de projeção, Não! Não Olhe! é uma ficção-científica de terror rica em nuances. Um filme que lança luz ao passado e ao presente de Hollywood sem utilizar as lentes da nostalgia, mas munido de uma lupa que examina também a audiência. A tela do cinema se torna um espelho de dupla face, que reflete simultaneamente o show de horrores e a plateia que, fascinada pelo espetáculo grotesco, não consegue deixar de olhar.
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