Em 2018, o missionário estadunidense John Allen Chau perdeu a vida enquanto tentava contato com uma tribo isolada da ilha de Sentinela do Norte. A notícia da sua morte rodou o mundo: em pleno século 21, o religioso pretendia apresentar a tribo ao Cristianismo. A história da humanidade é repleta de páginas escritas em sangue com base no mandamento “ide por todo o mundo, pregai o evangelho a toda criatura”. Povos inteiros foram dizimados sob a bandeira da evangelização, mas, em raras ocasiões, o feitiço se volta contra o feiticeiro. Essa é a premissa de HEREGE, que chega aos cinemas brasileiros nesta quinta-feira (14).
Com direção e roteiro de Scott Beck e Bryan Woods, HEREGE acompanha as jovens missionárias Paxton (Chloe East) e Barnes (Sophie Thatcher), que passam os dias tentando recrutar novos fiéis para a Igreja dos Santos dos Últimos Dias. Um dia, ao pararem em uma casa isolada, as duas encontram o Sr. Reed (Hugh Grant), um homem que aparenta estar genuinamente interessado em ouvi-las e até mesmo em se converter. No entanto, a calorosa recepção se transforma em uma situação perigosa quando Reed demonstra mais conhecimento sobre a religião do que as próprias missionárias, e propõe um jogo mortal para testar a fé das jovens.
HEREGE é um terror de várias camadas. Na superfície, encontramos o horror familiar que uma batida à porta gera quando não estamos esperando uma entrega. O que pode ser mais terrível do que receber visitas inesperadas munidas da pretensão de salvar a sua alma? A resposta vem em seguida: um homem que pretende te explicar todos os aspectos da sua própria religião, essa mesma que você está pregando de porta em porta. Num nível mais profundo, HEREGE traz uma discussão sobre os prós e contras do “ópio das massas”, a fé como instrumento de controle, mas também como ferramenta de desenvolvimento e conforto pessoal. O universo é vasto e misterioso, e a crença em algo superior pode trazer um sentimento de propósito e comunidade. Confrontar essa fé com a ciência, com a história, com fatos, pode ser aterrorizante.
Essa pode parecer uma temática arriscada, mas o roteiro de Beck e Woods toma cuidado para nunca ir longe demais. Paxton e Barnes são o contraponto do discurso de Reed, o que significa que HEREGE nunca comente a heresia de assumir uma posição contrária à religião. As jovens missionárias, amedrontadas e cheias de fé, são as incontestáveis heroínas dessa parábola.
Por se tratar de uma narrativa fechada, o trio de protagonistas é essencial para vender a atmosfera do filme. Hugh Grant é excelente - e divertido - como o vilanesco Sr. Reed, e Chloe East consegue transmitir todos os estágios do pânico vivido pela Irmã Paxton com uma gradual mudança de fisionomia.
Com 1h 51 min de duração, HEREGE é um terror psicológico mais eficiente do que se propõe, com momentos inusitados de alívio cômico e uma curiosa fixação por jogos de tabuleiro e artistas populares. Uma boa opção para quem aprecia grandes temas e medos banais.
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