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"Medida Provisória" (2020)

Foto do escritor: Luciana SantosLuciana Santos


Em 2019, o seriado estadunidense Watchmen trouxe para os holofotes o evento que ficou conhecido como massacre da Wall Street Negra: em 1921, moradores brancos do distrito de Greenwood, em Tulsa, atacaram os moradores negros do local, provocando uma das piores chacinas raciais da história dos Estados Unidos. Naquela narrativa, uma organização instaurada pelo governo federal é encarregada de preservar a memória destes acontecimentos e compensar dos descendentes dos mortos. Este movimento de reparação não é bem recebido pela comunidade branca da cidade, e grupos supremacistas passam a agir contra os cidadãos negras. Quando confrontados com seu passado violento, os opressores optaram por continuar a opressão. Algo semelhante é retratado em Medida Provisória, novo filme de Lázaro Ramos.


Com roteiro escrito por Ramos ao lado de Lusa Silvestre, Elísio Lopes Jr. e Aldri Anunciação – que assina a peça "Namíbia, Não!", na qual o filme é inspirado – Medida Provisória se passa em um futuro indeterminado, onde há um movimento de reivindicação por medidas de reparação histórica pelo período de escravidão imposto aos povos africanos no Brasil. Inicialmente esta reparação deveria ser financeira, mas, por meio de estratagemas políticos, uma nova opção é oferecida e, posteriormente, forçada: a extradição de todos os cidadãos brasileiros com traços negroides para países da África. O casal formado pelo advogado Antônio (Alfred Enoch) e pela médica Capitu (Taís Araújo) é surpreendido por esta medida. Enquanto Capitu tenta se esconder e voltar para casa, Antônio e seu irmão, o jornalista André (Seu Jorge), se refugiam em seu apartamento para evitar a captura e extradição.



Através de sua premissa extrema, Medida Provisória escancara o racismo estrutural que assola o Brasil. Apesar mais da metade de sua população se declarar negra ou parda, o Brasil é um país extremamente racista. Suas estruturas, cujas bases ainda são coloniais, nunca foram renovadas, e o preconceito da estrutura se reproduz no indivíduo. Medida Provisória demonstra um futuro aterrador: não importa quantos anos nós avancemos no futuro, enquanto estas estruturas se mantiverem, o racismo se mantém.


O filme conta com alguns dos nomes mais aclamados do cinema e da televisão brasileira: Adriana Esteves e Renata Sorrah são atrizes que brilham no papel de vilãs. Taís Araújo empresta sua voz às mulheres pretas e protagoniza momentos emocionantes. Alfred Enoch, em sua primeira aparição no cinema brasileiro, também se destaca como o idealista Antônio. A câmera de Lázaro Ramos cria sequências claustrofóbicas e angustiantes, importantes para demonstrar o estado de espírito dos personagens, sempre alertas aos seus arredores.


Medida Provisória é uma distopia kafkaesca que nunca se afasta da realidade o suficiente para ser completamente fictícia. Seu enredo é imaginado, mas as violências que retrata são concretas. É um exercício de reflexão sobre nossa História e sobre os rumos que nossa sociedade toma, um convite a transformar estas circunstâncias grotescas que ameaçam o presente e o futuro de tantos brasileiros.



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